terça-feira, 26 de novembro de 2013

João Lixo

João morreu deitado, enfermo. 
Ali mesmo, numa dessas esquinas perdidas.
João morreu numa dessas noites frias e tristes.
Não sabe-se ao certo, mas como tantos outros Joões,
talvez tenha morrido de fome, sede, dor; 
tristeza, angustia, decepção ou desesperança. 
João morreu sem nunca ter vivido. 
Morreu sem nem ao menos saber o seu nome. 
Sabia-se que era João. 
João Mendigo. 
João Catador de Latinha. 
João Nojento. 
João Ninguém. 
Era tantos Joões e ao mesmo tempo, nenhum.  
Ficou ali, ao relento. 
Nas profundezas do esquecimento sem fim. 
Morreu sem ter cumprido metas ou realizado sonhos. 
Morreu. 
E por ele não fez-se choro, lamentações e nem sequer velório. 
Ficou lá; esquecido. 
Sem ser visto. 
Misturado ao lixo. 
João Lixo. 
Até que finalmente alguém passou. 
Avistou-o.
Sentiu o mau cheiro. 
Saiu em disparada.
E chutou-lhe a cabeça.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Há mar

Há mar sem limites.
Há mar sem tamanho.
Há mar,
sem dúvidas,
sem fim.
Há mar sem barreiras.
Há mar sem medidas.
Há mar sem distâncias.
Há mar, por ai,
sem fronteiras...

domingo, 21 de julho de 2013

Dote

De mim, amor: tristeza e cigarros.
A angustiante sensação da desilusão.
Insônia, olheiras e tédio.
De mim, o amargo.
Um caso, ao acaso.
Uma noite mal dormida, uma vida mal vivida.
Um bocado de saudade, de maldade.
Decepção, quanta decepção, meu bem, você terá.
Amigos loucos, dinheiro pouco.
Poesia, teimosia e sei lá mais o que.
Porque de mim, meu bem: só dor e cachaça.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

É fila, José

José cansou-se de filas
Fila pro pão
Fila no caixa do mercado
Fila no caixa do banco
E pra sentar no banco
No restaurante
Na banca de jornal
Na barraca de pipoca
E de tapioca
Fila no posto de conveniência
E no posto médico
Pra saber, José, que tá morrendo
E vai, José, adiar a morte
Pega fila pro coração bater
Tem fila pra pegar remédio
E pra pagar remédio
Fila pra entrar no elevador
E pra sair do elevador
Fila no ponto de ônibus
E pra descer do ônibus
José entra em fila
Que não sabe nem para o que é
Fila pra loteria
Pro cinema
Pro parque
E pro teatro
É fila que não acaba
E se José já não aguenta
Pega o carro e sai
Mas em toda rua tem fila
Pro carro passar
Fila, José, um cigarro
Pra aguentar tanta fila

domingo, 21 de outubro de 2012

Paranoia

Eu acordo e te vejo na luz do sol,
que bate no teto branco.
Levanto e te vejo ao meu lado no espelho,
que reflete minha cara de bobo.

Caminho e sinto o seu cheiro suave,
seu veneno mordaz que me enfeitiça.
Na rua te vejo em outras,
paranoia eterna do amor.

Trabalho pensando em você,
seu gosto não sai de minha boca.
Em casa eu durmo e sonho contigo,
acordo querendo te ver.

Mas o tempo é meu inimigo,
e luta para eu nunca te ter.

sábado, 22 de setembro de 2012

Retalhos

Eu vi um cara estranho.
Tinha uma cara de incerteza com sono e preguiça.
Marcas de desilusão misturado com olheiras.
Olhos de medo e pânico.
Eu vi uma expressão estranha.
Me encarava com ar de egocêntrico e esnobe.
Calado, frio, sério.
Parecia rude, como se a qualquer momento fosse me atacar.
Eu vi certa emoção.
Estava nervoso, chateado, triste.
Sua fúria parecia vir do fato de eu o olhar.
Deixou uma lágrima cair.
Eu vi punhos fechados.
Um olhar de decepção e ódio, de angustia.
Eu vi uma mão se levantando, lenta e cruel.
Senti dor.
Eu vi... Um espelho quebrado.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

De longe todo mundo é perfeito

De longe todo mundo é perfeito.
Não há problemas.
De longe não há marcas nem feridas, dor nem angústia.
As marcas só surgem de perto, bem de perto.
De longe todo mundo é fiel e sincero.
Não existem monstros, não existe feiura.
Os olhos doem quando, ao olhar de perto, é vista toda a amargura do ser humano.
Toda a maldade embutida nos olhos.
De perto se sente o fedor exalado da pele imunda.
De longe todos estão sorrindo, mas de perto se vê a lágrima caindo.
É de perto que se enxerga a verdadeira natureza ridícula do ser humano.
Porque de longe todos são deuses imortais.